quinta-feira, 2 de setembro de 2010

ASSOMBRAÇÕES, FANTASMAS E ALMAS PENADAS

Como todas as crianças, também nós gostávamos dessas histórias.


O terreno era fértil. Aonde íamos entravamos o cenário perfeito: a cachoeira e o cemitério.



A cachoeira onde tomávamos banho em companhia de patos e gansos, o riacho que cortava a nossa plantação de arroz era, e ainda é visitado por uma noiva nas noites de lua cheia.

Essa história, até hoje, faz parte do folclore local.

A noiva é nossa: os antepassados da família do meu pai (Antonio/Titino ou Estolaninho, como preferir) proprietários deste cenário criaram uma prima muito bonita de rosto, mas portadora de um defeito físico que prejudicava o seu caminhar.

Estava ela num baile quando foi convidada a dançar. O cavalheiro não a conhecia e por isso espantou-se com o seu passo de dança. Riu, zoou como se diz hoje. Na madrugada desse mesmo dia ela jogou-se na cachoeira e uma alma penada vestida de noiva nasceu. A noiva é nossa!



Aconteceu ainda o seguinte assombramento: Morreu uma prima de Estolaninho e muitas crianças ficaram órfãs. Os parentes foram convidados a assumir estas crianças. Caberia a ele e a sua mulher, Maria José, a responsabilidade de cuidar de um menino de nome Anísio. Maria José recusou-se. Foi então que nas primeiras horas da madrugada, logo após Estolaninho ir para a lida do canavial que a porta do quarto se abriu. Maria José viu entrar uma moça clara, cabelos castanhos, magra, vestido estampado que a ela se dirigiu assim:

- “por que você não quer cuidar do meu filho? Você também é mãe”!

Nenê no quarto ao lado perguntou à filha com quem ela estava conversando e ela respondeu que era com a mãe de Anísio. Vovó veio ao seu encontro e a moça da mesma forma que chegou, foi embora. Convocaram os parentes, a descrição combinava com a da finada, inclusive o figurino. Moral da história: por remorso ou medo cuidaram de Anísio, lhe deram carinho, escola e um cavalo. Quando crescido pode voltar para a casa paterna e levou o seu cavalo. Nunca mais vimos Anísio.



Já foi dito que andávamos atrás de vovó. Quando ela estava na casa de um filho ou filha mandava que vovô levasse seus doces e pães para presentear os demais. Vovô andava com os netos em comitiva. Ele em seu cavalo Pachola e cada um de nós no seu próprio cavalo. O meu era o Ialú, no qual eu era a rainha da cachoeira.

Nunca tivemos medo de cemitério nem de mortos. Nossa avó desde muito cedo nos levava a velório. Plantava flores e em nossa companhia as levava para os velórios das criancinhas e outras colonos que morriam na Cachoeira ou na Bocaina. Os caixões (urnas) eram feitos por carpinteiro ou prático nos quintais das casas, quando necessário. Era uma armação de madeira coberta de tecido roxo, branco, rosa, azul se para adulto, virgem, menino ou menina. Dependendo da importância do morto, enfeitado com galões e afins. Nossos avós e pais respeitavam a vida e a morte, falavam conosco da importância da de solidariedade, responsabilidade para com os trabalhadores, necessidade de socorro e prevenção, combate a mortalidade infantil, etc.

Foi assim que aprendemos!

Vovó não era de freqüentar igreja ou de rezar muito, embora tivesse sua santa de devoção e na parede do seu quarto uma cantoneira de madeira com a imagem da mesma: Nossa Senhora da Apparecida.

Agradecemos a herança de participação e responsabilidade social, exemplo que imprimiu em todos nós.



Acontece que no caminho da Bocaina havia um cemitério velho e abandonado, Cemitério do Nico Terra (parente de Basílio). Aí era o nosso Oasis...

Entrávamos no campo santo, amarrávamos o nosso cavalo no fim do terreno, no meio das árvores, fora do alcance do olhar de quem passasse na estrada. Brincávamos, brincávamos muito! Colhíamos mel, separávamos ossos dos falecidos para vovô nos ensinar os nomes. Foram as primeiras e as mais ricas aulas de anatomia de nossas vidas. Fazíamos pic-nic num túmulo mais conservado e com uma grade. Esse era o túmulo de Dona Minervina Cruz, minha tetravó paterna.

Como vê, tudo gira em torno da família que tinha muitos agregados, uma chave misteriosa e tem ainda uma tesoura centenária.

Acontece que começaram os rumores: - o cemitério do Nico Terra está assombrado, anjinhos brincam aí, dão risadas...

O medo foi estabelecido, ampliado, multiplicado. Ninguém mais passava aí depois que escurecia... As meninas de Pompeu descobriram o mistério: éramos nós indo ou vindo da Bocaina!

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