Ainda existiu o cego, Santinho.
Ele era violeiro. Hospedáva-se em casa de Hermes Bastos, vizinho, parente e amigo da Cachoeira. Íamos todos para lá, sempre, e ficávamos encantados. Era o único cego que conhecíamos e ele andava sozinho e tocava violão e cantava modinhas.
Acredito que venha dessa época o interesse de Lena, filha de Joaquina, pela tarefa que hoje lhe cabe: ler para cegos em uma instituição social em Niterói-Rj, na qualidade de voluntária.
Da safra de artistas é bom que se fale em Dinho Azeredo, namorado de Ana, filha de compadre Cartola, agregado de César e Joaquina. Dinho cantava as músicas de Anísio Silva num programa de calouros da Rádio Nacional. Era uma grande emoção. Ele cantava: “quero beijar-te as mãos minha querida”. Ana chorava e nós aplaudíamos.
E aconteciam ainda os bailes de roça, ao som da sanfona, do gramofone ou do piano. Existia ainda Bibi, que tocava violino. O gramofone e o piano pertenciam à dona Zilda Gomes, vizinha, moradora no Valão dos Gomes, assim como Bibi que morava em sítio bem próximo. Desses bailes nunca nos esqueceremos da comadre Mariana para quem o cantor dizia: “ginga comadre Mariana, ginga comadre Mariana!...”
Costumávamos também ser dama de casamento. Num deles, na zona rural – caminho da Cachoeira casou-s Anita, filha de Fidélis Carvalho e Vivinha (família de Estolaninho). Cida foi dama. A festa animada. O noivo doutor, médico. Acontece que a cozinha fervilhava, quitutes saindo fresquinhos ou quentinhos. Tudo um primor. Mas daí, de repente, convidados vomitando por todo lado. Cena de filme de terror. Investiga-se de lá e de cá e descobre-se: - envenenamento por arsênico (um resto do veneno usado para matar formigas estava num armário. A cozinheira contratada para a festa o confundiu com trigo e misturou essa pequena sobra na lata da farinha. Usou para pastéis. Cida comeu dessa massa crua e passou muito mal. Os médicos convidados e o noivo mandaram que fossem batidas muitas e muitas claras de ovo e tomadas com água morna para provocar vômitos e cuidar do envenenamento. Estolaninho, prático, tirou e mandou tirar muito leite de vacas que em seu cavalo distribuiu nas casas dos envenenados. Salvaram-se todos e o casamento durou “na alegria e na tristeza até que a morte os separou”.
Também é da família de Fidelis Carvalho e Vivinha a oração que fazíamos quando caminhávamos no escuro e com medo de cobras nas estradas da Cachoeira ou da Bocaina, era assim:
“São Bento e água benta,
Jesus Cristo no altar,
Cobra que nos desejais mal
Deixa eu passar.” (esta oração faz parte da nossa infância e foi recordada por Expedito, sobrinho de Estolaninho, filho de sua irmã Vivinha.)
Vovó Nenê também fazia doces para o casamento das afilhadas (eram muitas), os ingredientes fornecidos pelas noivas nunca preenchiam as exigências dessa doceira e assim Estolaninho e Basílio tinham que “pagar o pato”. Outro que sempre se dava mal em tais festas era Mauro, o nosso Capitão (filho de Lola e Basílio). Cabia a ele a responsabilidade de levar os doces e ainda representar Nenê e Pompeu na cerimônia. Quando íamos todos era muito bom, muita festa, muita dança em “latada” (barraca montada com bambus), troca de roupa da noiva e de alguns convidados duas ou três vezes durante a festa. Quando ia sozinho ficava difícil, muito difícil!
Precisamos dizer que estes doces eram transportados em carro de bois e que este era o transporte usual na época. Nele era transportada toda a safra, fosse ela de cana de açúcar, café, ou outra, assim como móveis, lenha e ainda famílias para deslocamento na zona rural ou desta para a cidade, isto quando as viagens não eram feitas a cavalo.
Com relação ao carro de bois, que fique bem claro a sua importância. Na época a cultura da cana de açúcar era a principal atividade econômica da região e toda a produção, inclusive a nossa, era por ele transportada para a Companhia Minério Agrícola (usina de açúcar) por esses carros.
Bois em suas cangas, atrelados aos pares, num trabalho de força e coletivo, eram embalados pelo canto peculiar do carro - que mais parecia um lamento. Puxavam o “ouro branco”, faziam a economia girar, escoavam a produção. Obedeciam ao candeeiro com a sua vara de ferrão e à voz do carreiro que dizia os seus nomes – ei boi, ei Estrela, ei Malhado, vamos, ôa vamos!...
Um dia a usina abriu falência, suas cotas foram vendidas para uma usina do Estado de São Paulo e Cambuci nunca mais foi à mesma.
Mais tarde o Caminhão começou a ser usado, mas o que povoa a nossa infância é o caminhão do Senhor Zerinho, pai de Zélia que se casou com Antonio, filho de Jarbas e Lívia.
O carro de bois é o símbolo de uma época.
Lembramos também das histórias de Zeca Lacerda, primo “maluco” de tio Basílio. Zeca percorria a zona rural, pintava-se com sementes de urucum, procurava nascentes de água, obedecia a Lola literalmente. Certo dia Lola mandou que ele fosse comprar canela numa vendinha para fazer doce e ele entendeu que era canela, perna da moça que o atendeu. Foi uma correria um grande pavor. Foram muitas as loucuras deste cidadão.
Ainda na Bocaina, residia o casal Dona Lucila e o Senhor Veloso. Pedro Antonio ia a casa dele todos os dias, tomava o café todo no bico do bule, comia todo o almoço e ao casal só restava o recurso de ir à casa de Basílio e dizer: Dona Lola, o menino comeu e bebeu tudo, viemos almoçar!
Era este senhor quem fazia o azeite de mamona e por pouco não foi ele quem inventou o bio diesel. Certo dia ele ficou tuberculoso e não se sabe como Pedro não foi contaminado.
Na Cachoeira não podem ser esquecidos Olimpio Melo e sua mulher Madalena. Madalena vivia reclusa. O marido não a deixava sair de casa, sequer receber visitas. Ninguém a conhecia. Certo dia o marido adoeceu, não conseguia levantar-se. Ela teve que buscar socorro. Foi aí que Cida e Ceção deparararam-se com aquela mulher que gesticulava, não falava, suja, um espantalho! Saíram correndo e gritando. Maria José entrou em ação, conseguiu identificar a mulher e todos juntos fomos ajudar e conhecer aquele sítio que tanto nos amedrontava, que era cheio de cabritos e “causos de pavor”.
Desde então passamos a ajudar Madalena. Todas as vezes que o marido ia às compras ela fugia para a nossa casa para ver gente e comer melhor. Um dia Olimpio Melo foi brutalmente assassinado. Seu assassino julgado e condenado e Madalena foi acolhida por parentes que moravam em Niterói.
Nunca mais soubemos dela.
Tínhamos uma banda de música de tampas de lata e o nosso maestro era Zé de Fulô. Era uma desafinação só, e nós além de desastrados ficávamos mais atrapalhados ao acompanhar o maestro. Zé era da turma de Tio Clemente, portanto, um jovem especial que tinha um embornal de leitura e era nosso aluno! Acho que essa banda era a Orquestra Fraca dos netos de Nenê e Pompéu,enquanto a de Cordeiro era a dos bisnetos.
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